Ferramentas contra as violências institucionais

Em dezembro de 2020, a reforma da lei catalã sobre violência sexista foi aprovada para incluir, entre outros novos desenvolvimentos, a violência institucional como uma nova forma de violência sexista. O conceito de violência institucional vai além do conceito de revitimização, porque se refere a uma responsabilidade que tem a ver com uma falha estrutural ou sistêmica, com um padrão de negligência causado ou tolerado pelas administrações. Com isso, foi alcançado um marco histórico: ampliar o foco da responsabilidade, que até então recaía exclusivamente sobre os sujeitos individuais responsáveis pela violência.
A lei catalã reformada explicita um regime de responsabilidade semelhante ao que vigora em todo o Estado: por um lado, existe a responsabilidade profissional ou disciplinar individual de cada profissional e, por outro, a da Administração como entidade, devido ao seu funcionamento, sendo ambas complementares. Apesar da existência desse duplo regime de responsabilidade, na prática, quando uma mulher enfrenta violência institucional, por exemplo no desenvolvimento de um processo judicial, ela tem a opção de apresentar uma queixa por negligência profissional perante cada um dos órgãos em que cada um dos profissionais que intervieram no processo judicial depende, designadamente, do Ministério Público, da Magistratura Judicial, da Medicina Legal, de quadros técnicos dos organismos avaliadores ou mesmo do representante legal que os tenha assistido. Para isso, a mulher afetada deve fazer um esforço notável para escrevê-las, adaptar-se ao formato de reclamação exigido por cada órgão e localizar onde apresentá-las.
Na prática, grande parte dessas queixas acaba não provocando nenhum efeito no organismo e nem nos profissionais. Mas pior ainda, apresentar essas queixas quando esse ou outros procedimentos ainda estão abertos, ou apresentar queixas repetidas, pode facilmente virar-se contra a reclamante. As organizações às quais são apresentadas reclamações interpretarão essas reclamações como um ataque aos seus profissionais e ao sistema em geral, reagindo para se protegerem contra o comportamento beligerante e desarrazoado da reclamante. Esta passa de pessoa lesada a agressora de quem é legítimo proteger-se para defender o sistema.
Por outro lado, a mulher lesada tem a opção de apresentar uma reclamação de responsabilidade financeira contra o Estado pelas suas ações negligentes. Este procedimento é o canal que os cidadãos têm para processar a Administração pela sua falta de atuação – omissão, pela sua ação negligente ou pela sua atuação, aparentemente correta, mas que também tem causado danos.
Este procedimento é um procedimento padrão, que canaliza reclamações tão diversas como o já referido mau funcionamento da justiça ou uma lesão causada pelo mau estado das vias públicas. A reclamação será avaliada pela Administração e, caso esta negue a sua responsabilidade, terá início a fase judicializada do processo, na qual os órgãos judiciais do contencioso administrativo decidirão se devem considerar que a Administração incorreu em responsabilidade e em que grau.
Para efeitos práticos e voltando ao exemplo do processo judicial negligente, este procedimento contra a Administração significa que a mulher que já enfrentou um processo judicial ao qual dedicou toda a sua energia, a sua esperança e provavelmente os seus recursos econômicos, deve iniciar um novo recurso judicial contra a Administração que pode durar anos e, se desfavorável, pode resultar na imposição de custas judiciais, além do custo de sua própria representação legal durante a mesma. A realidade mostra que são poucos os procedimentos com estas características que se realizam em geral e muito particularmente face a processos judiciais negligentes.
Este procedimento de reivindicação de propriedade “tamanho único” contra a Administração é obsoleto e não incorpora a perspectiva de gênero, interseccional ou de direitos. É um procedimento concebido para reclamar da falha de um elo da cadeia, mas não para contestar a própria cadeia. A reivindicação pelo funcionamento da Administração é especialmente complexa quando é necessário demonstrar que o resultado final foi causado pela coordenação dos vários profissionais envolvidos ao longo do tempo, como acontece com os procedimentos judiciais.
O reconhecimento da violência institucional como forma de violência de gênero contra as mulheres é uma questão pendente na legislação estadual e em todos os protocolos e políticas públicas que deveriam ser implantados em torno dela. Mas para que este número possa desenvolver todo o seu potencial para proteger os direitos das mulheres, deve ser acompanhado de instrumentos eficazes para o denunciar.
Para isso, deveríamos poder ter um procedimento de reclamação específico contra a Administração para os casos em que o seu funcionamento provoque uma violação que afete o exercício de direitos fundamentais ou afete os direitos de uma determinada coletividade. Este procedimento deverá ter em conta as normas internacionais relativas à proibição da discriminação, tais como a inversão do ônus da prova. Deverá também facilitar a litigância das associações, aliviar as vítimas desse ônus, entre outros, eliminando fatores dissuasivos, como o risco de imposição de custas.
E, o mais importante, além de permitir que as afetadas pela violência institucional sejam indenizadas, como garantia coletiva de não repetição, seguindo o exemplo dos tribunais internacionais, os tribunais deveriam poder pronunciar-se sobre a adequação da revisão de resoluções judiciais, a imposição de treinamentos aos profissionais, a alteração de normas ou a modificação de instruções e protocolos, que tenham causado ou facilitado a violência institucional.
A criação de um procedimento especial para fazer face às violações de direitos derivadas das violências institucionais cometidas pelas administrações deveria ser uma prioridade nas agendas de ministérios como o da Igualdade ou o da Justiça espanhóis. Não podemos permitir-nos continuar sem ferramentas legais para defender os nossos direitos contra o Estado.

Artigo de Laia Serra publicado em Pikara magazine em 20 de março de 2024. Disponível em: https://www.pikaramagazine.com/2024/03/herramientas-contra-las-violencias-institucionales/

Tradução: Luiz Morando.

O reconhecimento da violência institucional como forma de violência de gênero contra as mulheres é uma questão pendente na legislação espanhola.

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