Tamara Clavería, uma das conferencistas da mesa sobre antirracismo no Encontro Feminista Internacional realizado há alguns dias em Madri, se perguntou quando o feminismo será antirracista. A pergunta, lançada de forma provocativa pela ativista cigana, foi rapidamente respondida no encerramento do evento quando policiais civis quiseram identificar duas mulheres migrantes que haviam manifestado seu apoio às prisioneiras e aos prisioneiros mapuche na Argentina e no Chile.
As mulheres foram abordadas pela polícia no local onde ocorreram as sessões do evento, após a cerimônia de encerramento em que Irene Montero [ministra da Igualdade da Espanha] se congratulou por ter criado “um espaço seguro” para todos os participantes.
Nesse sentido, uma das surpresas do encontro foi a elevada presença policial e de pessoal de segurança privada. Certamente justificado pela participação de juízes, promotores, ministros, ex-primeiras-damas e outras feministas que ocupam altos cargos institucionais em diferentes Estados. Tudo isso aliado a discursos abertamente favoráveis ao direito penal como instrumento ideal para proteger as mulheres da violência que enfrentam.
Várias questões surgiram do “encontro”, onde apenas falaram as conferencistas convidadas e a possibilidade de intervenção das presentes se limitava a aplaudir ou gritar da plateia. Uma delas diz respeito à compatibilidade entre a securitização dos espaços públicos e a busca por “segurança” para as mulheres. Ou, como se pergunta Françoise Vergès, “por que as feministas, em um contexto de militarização acelerada do espaço público, querem dar ainda mais poder à polícia (racista)?”
Esta questão surge num contexto em que nas semanas anteriores tinham sido publicadas notícias sobre a infiltração da polícia nos movimentos sociais catalães e a denúncia de violência sexual contra várias mulheres que integram estes espaços. Além disso, no dia do início do evento, houve uma manifestação contra a abertura do módulo feminino do CIE (sigla para Centro de Detenção para Estrangeiros) de Barcelona – locais que são um exemplo claro de racismo institucional e onde mulheres migrantes de diferentes partes do Estado são transferidas e encarceradas para serem expulsas de suas comunidades.
Diante desse panorama, é difícil encontrar respostas razoáveis para a fé inexplicável de certo setor do feminismo nas polícias do Estado e na justiça penal. Uma das possíveis explicações é a incapacidade desses setores de ir além das coordenadas de gênero para considerar outras violências estruturais como o racismo e o capitalismo. Em suma, a impossibilidade de pensar em outras mulheres que não sejam semelhantes a elas.
Também responde à incapacidade de levar a sério as reivindicações de mulheres migrantes e racializadas que denunciam o racismo institucional e a violência que geram. Reivindicações que foram expressas com força na mesa antirracismo, à qual aparentemente nenhum dos representantes de altos funcionários institucionais compareceu.
Outra questão que se coloca é quais mulheres devem ser protegidas e à custa de quem. Na reunião, a proteção policial, a cargo do Ministério do Interior presidido por Fernando Grande-Marlaska, se deu à custa de gerar insegurança e violência contra as mulheres migrantes e racializadas. Tanto os que foram abordados pela polícia, quanto os que vieram apoiá-los e os que se encontravam em situação administrativa irregular e foram expostos à identificação policial.
Este “mau momento”, como descreveu o Secretário de Estado para a Igualdade e Contra a Violência de Gênero, evidencia as limitações das abordagens criminais e policiais porque acabam afetando mulheres e pessoas trans* racializadas que já carregam o peso da violência machista e racista. O mais doloroso é que essas situações são minimizadas e normalizadas em espaços feministas brancos.
Nestes dias de mobilizações em torno do 8M, é preciso enfrentar as narrativas dominantes do feminismo que acredita no Estado, suas penas e sua polícia. É urgente questionar as políticas e discursos de segurança para reivindicar a possibilidade de gerar novos horizontes. Porque, como apontam os camaradas da Trawunche Madrid em sua declaração, não podemos deixar que o cuidado de nossa segurança, de nossas comunidades e de nossos corpos continue sendo responsabilidade de instituições patriarcais, coloniais e racistas.
Artigo de Florencia Brizuela González publicado em Pikara online magazine em 8 de março de 2023. Disponível em: https://www.pikaramagazine.com/2023/03/cuando-el-feminismo-sera-antirracista/
Tradução: Luiz Morando.
