Levando em conta sua longa trajetória como professor e pesquisador, o que o motivou a embarcar no mundo do ativismo LGBTQI+? Quais conquistas você destacaria na luta pelos direitos LGBTQI+ em território espanhol?
Não tive outra opção a não ser o ativismo. Daí, da minha experiência como ativista, surgiu meu interesse em ser alguém que se dedica à pesquisa. Não sou uma pessoa que se dedica à pesquisa e então me interessei pelo ativismo. Fiz parte de grupos de feministas, lésbicas, da assembleia feminina da [Universidade] Complutense e formamos a primeira associação universitária LGBTQI+ do Estado espanhol chamada “Erre que te erre” que ainda existe e funciona. Nesse sentido, do meu ponto de vista, as conquistas mais importantes dessa luta foram nos tornar visíveis e afirmar que nossas demandas são direitos que devem ser reconhecidos como direitos humanos, como direitos sociais, como direitos de participação… para mim, tem sido muito importante aquele ativismo universitário que tem defendido que o conhecimento que estava sendo oferecido a nós era tendencioso porque faltavam coisas ou mesmo havia coisas que nos contavam de forma errônea, como em terapias de modificação de comportamento que a homossexualidade era uma doença, a transexualidade uma doença etc… Mudanças com a consideração da diversidade sexual e de gênero como mais uma diversidade, não como uma patologia; o reconhecimento nas leis espanholas da existência de casais ou de pessoas com sexualidades não normativas, e, nesse sentido, as leis que reconhecem os casais de fato; o casamento entre pessoas do mesmo sexo; a mudança de registro de nome e sexo; o direito à autodeterminação – eu acho que foram marcos importantes que estão construindo esse futuro do qual queremos nos aproximar.
Quando as pessoas trans fazem sua transição hormonal/cirurgia de redesignação sexual, supõe-se que não podem ser: mães, pais ou responsáveis pelos filhos. Por que existe esse tipo de discurso de que pessoas trans não podem ser pais ou mães?
A legislação espanhola, como em outros países, dita que temos que passar por dois anos de tratamento hormonal, e isso, na prática, nos torna estéreis, porque os hormônios são tão intensos e as doses são tão altas que afetam nossa capacidade de usar nosso próprio material genético. Há algo na própria maneira de conceber o fato trans a partir da medicina e do campo jurídico no Estado espanhol que dificulta o fato de termos filhos e filhas. Se o fizer, que o faça a partir de um consentimento informado que nem sempre é oferecido pela área médica e de uma consciência muito precoce de que pretende fazer este projeto pessoal. Com isso, ou você guarda material genético ou, em determinado momento, não toma ou deixa de tomar esses hormônios que causam esterilidade.
No curso, foi mencionado que para realizar a mudança de sexo e nome no DNI [registro nacional], alguns requisitos devem ser atendidos. Um deles é ser diagnosticada/o com Disforia de Gênero e não ter outra “condição” mental. Esse requisito exclui pessoas que possuem alguma diversidade funcional cognitiva? Em caso afirmativo, como essas pessoas que desejam fazer a transição, mas não são legalmente autorizadas pelo Estado, podem ser ajudadas?
O que acontece é que essa Lei, em nível estadual, está nos dizendo que existem alguns requisitos e, como você bem disse, a disforia de gênero em si se apresenta como um requisito. Ao mesmo tempo, diz que a pessoa não pode ter transtornos adicionais ou que ela não pode ter um transtorno de saúde mental, quando a disforia de gênero já está sendo indicada ali como um transtorno de saúde mental. É como uma espécie de trava-línguas. E o problema que encontramos é que quando uma pessoa tem esquizofrenia ou síndrome de Down ou tem autismo, geralmente se interpreta que uma das manifestações dessa doença é a confusão de gênero e muitas vezes não se concebe que a pessoa simplesmente tenha duas condições diferentes: uma que pode ter uma expressão de gênero não normativa ou ser trans e outra que tem autismo, esquizofrenia etc. O Estado, com seu aparato médico e jurídico, protege muitas dessas pessoas por terem deficiências ou doenças por não respeitarem os direitos fundamentais da pessoa, podendo uma delas fazer a transição se assim o desejar. Nesse sentido, sinto falta de um maior ativismo, uma maior consciência desse problema jurídico, porque nosso ativismo e nossa visão acadêmica da transexualidade não levam em conta as pessoas que estão à margem, como as pessoas que não têm documentação legal: aqueles que têm uma doença mental, aqueles que são menores… Se você for pego em uma situação em que muitos desses lugares se cruzam, digamos que você estará em grande desamparo.
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Ultimamente, o projeto de lei pela igualdade plena e efetiva das pessoas trans, proposto pelo Ministério da Igualdade, está na boca de muitos. Qual você acha que é a tarefa pendente atualmente em termos de luta pelos direitos da comunidade trans?
Uma medida estatal que tenha o princípio da autodeterminação, ou seja, que você não tenha tutela médica ou legal para poder fazer coisas fundamentais, como alterar seu nome e sexo na documentação, ou ter acesso ao tratamento médico que você precisar, ou obter apoio na escola ou no ambiente de trabalho para poder ser quem é sem ser discriminado. Acredito que esses são elementos fundamentais dos direitos humanos, e o estranho é que estamos no rol dos discursos em que há uma ponte entre a extrema-direita (o Vox, Hazte Oir etc.) e o feminismo transexcludente, que pretende forçar a barra contra as mulheres trans. Acho que essa é uma situação injusta e com o tempo vamos olhar para trás e perceber que essa resistência não tem outra razão de ser senão o conservadorismo como os que vivemos em outros momentos, como a guerra dos sexos nos anos 90.
Por fim, como profissionais em formação em Sexologia, o que você acha que deveríamos levar em consideração ao prestar serviços à população trans?
Acho que pode ser que nem todos no campo da sexologia tenham uma boa formação relacionada a pessoas trans, pois pode ser que você se depare com realidades que não conhece. Então eu acho que o que interessa a nós como profissionais de saúde é que tenhamos uma mente aberta: se eu não conheço determinado assunto, tenho que aprender e tenho que escolher boas fontes para aprender. Eu sei um pouco, haverá perguntas sobre as pessoas que vêm apenas te visitar que podem escapar de você, talvez você saiba sobre trans, mas você não sabe sobre divórcios, você não sabe sobre ter filhos ou você não sabe sobre ter desejo. Ou seja, sempre temos que ter a parte humilde de aprender ao mesmo tempo, porque às vezes nos deparamos com alguns processos em que não há muita literatura ou o que há é medicalizado, com os quais temos que arriscar aprender ao mesmo tempo que a pessoa e ter uma posição de acompanhamento e escuta. Porque muitas vezes a pessoa trans vem porque tem dúvidas, porque está sofrendo pelo impacto da transfobia, porque não tem apoio em seus contextos habituais. E aqui as profissionais ou os profissionais têm que ter uma capacidade empática com o que estão propondo à pessoa. Olhando para o contexto geral, talvez essas pessoas vão à sexologia porque não podem ir a outro lugar para obter apoio. Por exemplo, elas podem desconhecer o impacto dos hormônios, questões relacionadas ao desejo, amigos, amor, rompimentos com filhos em ambientes onde as pessoas trans são informadas de que não devem ter desejo, não devem ter filhos e não devem ter uma vida pública.
Entrevista realizada por Antonio Cabezas Gil e Seis Mejías, alunes do Mestrado em Sexologia da Universidad de Sevilla. Publicada em 17 de dezembro de 2020. Disponível em: http://www.master.us.es/mastersexologia/entrevista-a-lucas-platero/
Tradução: Luiz Morando.
