Tilda Swinton (Londres, 1960) garante, e não é pose, que não se considera uma atriz. Sua incursão na interpretação resultou de sua ânsia de experimentar e forjar colaborações com artistas. Ela nunca foi formou em arte dramática. Ela não conhece os preparativos difíceis para um papel. Na conferência Women in Motion, organizada pela Fundação Kering no contexto do Festival de Cinema de Cannes, ela se descreveu como uma amadora e disse estar orgulhosa disso.
“Às vezes, diretores me contatam; outras, eu os encontro. Começamos uma conversa e surge um filme. Não escolho papéis, mas projetos, algo inusitado entre os profissionais”, destacou a icônica intérprete, que deu como exemplo sua premiada conjunção com o diretor tailandês Apitchapong Weerasethakul, cujo último filme, Memória, acaba de ser reconhecido na prestigiada competição francesa com o Prêmio do Júri junto com Ha’berech, do cineasta israelense Nadav Lapid.
Swinton e o cineasta nascido em Bangkok se conheceram há 17 anos, justamente em Cannes, quando este apresentou seu longa-metragem Mal dos trópicos (Sud pralad, 2004). “É alguém que eu tenho seguido por anos. Ficamos amigos e tivemos uma ideia para um filme há uma década. Estamos literalmente sonhando em torná-lo realidade. Isso não é escolher um papel ou um roteiro, porque eles não existiam, mas uma colaboração”, disse.
A não atriz já visitou esta edição do festival mais importante do mundo com dois outros filmes: The French Dispatch, de Wes Anderson, em cuja sessão de fotos estrelou o meme da semana com Timothée Chalamet, o diretor e Bill Murray; e The Souvenir II, a segunda parte de um díptico semibiográfico de Joanna Hogg, no qual Tilda estrela ao lado de sua filha, Honor Swinton. “Eu não deveria dizer isso, porque sou a mãe dela, mas ela é talentosa. Gostei muito de trabalhar com ela e espero fazer de novo, porque nos daria a oportunidade de passar mais tempo juntas”, compartilhou.
Joanna e Tilda se conhecem desde os 10 anos. Seu entusiasmo pela sétima arte cresceu em uníssono. Na verdade, The Souvenir II reproduz um marco comum em suas carreiras: Swinton está no elenco do filme de formatura de Hogg, Caprice. Para sua recriação neste novo filme, em competição na Quinzena dos Realizadores, Honor usa os sapatos que sua mãe usava naquele dia. O caso de Hogg é o mais extremo, devido aos muitos anos de amizade, mas não o único vínculo sustentado da influente atriz, modelo e produtora.
A inglesa deu os primeiros passos no celuloide com o falecido Derek Jarman, realizador de cinema e videoclipe e promotor do cinema queer, com quem trabalhou sete vezes e a quem dedicou um documentário em 2008, Derek (Isaac Julien). Junto com Luca Guadagnino colaborou em quatro projetos: The Protagonists (1999), Um sonho de amor (Io sono l’amore, 2009), Um mergulho no passado (A bigger splash, 2015) e Suspíria – a dança do medo (Suspiria, 2018). E com Wes Anderson, em cinco: Moonrise Kingdom (2012), O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel, 2014), Ilha dos cachorros (Isle of Dogs, 2018) e o já citado The French Dispatch, cuja estreia está marcada para os cinemas no dia 16 de outubro. Não será a última colaboração, pois o americano já anunciou a filmagem de um novo longa-metragem na Espanha. “Quando você trabalha com alguém que conhece há muito tempo e que você aprecia, você tem a licença para seguir seu desejo e não deve correr nenhum risco. Estou interessado no que cozinhamos juntos, não em projetos individuais”, explicou ela durante sua palestra em Cannes.
Tarkovski, mas também Copperfield
Katherine Matilda Swinton é filha de um general do exército britânico. Ela foi criada em um castelo e educada na mesma sala de aula com Diana de Gales. Seu fascínio pela tela grande se deu por meio de grandes produções, como Bambi (David Hand, 1942) e Mary Poppins (Robert Stevenson, 1964). “Quando comecei a envelhecer, comecei a procurar coisas mais pessoais, como Tarkovski, mas me interesso por cinema de estúdio, porque é um truque de mágica extraordinário, como quando você vai a Las Vegas e quer saber onde está o segredo de David Copperfield”, ela continua a se maravilhar. A este respeito, ela cita sua participação na adaptação cinematográfica de As Crônicas de Nárnia. Seu diretor, Andrew Adamson, veio da animação. A Disney o contratou para transformar os livros juvenis de C. S. Lewis em imagens após o sucesso da série Shrek. “Não sabia como o faria e adorei, porque queria estar por perto quando descobrisse. Que aventura!”, lembrou.
Seu papel em Constantine (Francis Lawrence, 2005) também foi baseado na curiosidade, pois ela estava estusiasmada com o uso de novas tecnologias no thriller de ação. “Eu só trabalhei com cineastas experimentais ou cineastas que experimentam”, resume Swinton.
O diretor coreano Bong Joon-ho, vencedor do Oscar, com quem trabalhou em Okja (2017), afirma que a artista transcende gêneros e desempenha papéis destinados ao homem. Assim o fez em Orlando (Sally Potter, 1992), Constantine e Suspiria. Questionada sobre isso, a mais andrógina das estrelas de cinema destacou a obsolescência dos rótulos no celuloide: “Arte é um espaço de liberdade, de transcendência, só trabalhar em um gênero é um desperdício. Em um filme, posso ser um homem, assim como um burro. Por que não? Isso é o que meus filhos faziam quando eram pequenos. Vestiam-se de velho ou de gato e, juntos, brincávamos aos pés da cama.”
Ao resgate de cineastas esquecidos
Aos cineastas citados devemos acrescentar Mark Cousins, documentarista e historiador escocês com quem colabora não só criativamente, mas também no seu trabalho pedagógico de divulgação do passado e do presente da sétima arte. Juntos, eles lançaram um festival de cinema itinerante nas Terras Altas da Escócia; uma mostra de filmes ingleses na China,onde transformaram um teatro em uma floresta; um festival em um salão de baile vitoriano cuja entrada era gratuita para quem trouxesse uma bandeja de bolos caseiros; uma fundação, a 8 Foundation, dedicada a levar o cinema às crianças em seus aniversários.
A última colaboração deles foi em um documentário para homenagear mulheres cineastas. Women Make Film (2018) dedicou 16 horas às contribuições das mulheres ao celuloide e teve Tilda Swinton como narradora. O filme é uma master class onde autoras de Hollywood, como Kathryn Bigelow e Angelina Jolie, se alternam com veteranas europeias, como Agnès Varda, Chantal Akerman e Claire Denis, e outras praticamente desconhecidas, como a ucraniana Kira Murátova ou a japonesa Kinuyo Tanaka.
“Desde o início do cinema, sempre houve cineastas mulheres e sempre haverá. Quando você incita a preocupação com a falta de mulheres no audiovisual, talvez seja porque você está apenas olhando os nomes de uma lista de diretores de um festival de cinema. Talvez você esteja esquecendo que todos esses filmes estão impregnados da sensibilidade de mulheres cineastas, seja como figurinistas, roteiristas ou atrizes. Precisamos olhar para trás e redescobrir o que já aconteceu, pois a ideia de que a presença feminina no audiovisual é uma realidade recente é uma narrativa que não corresponde à verdade. É muito importante revisar a história, bem como focar no que já fizemos. Vai nos ajudar a ter mais confiança em nós mesmas”, manifestou a sua opinião durante sua visita a Cannes, onde confidenciou que nunca se sentiu discriminada como mulher na indústria do entretenimento. Claro, durante a primeira década de sua carreira, ele não recebeu uma libra. Seus projetos eram o cinema underground independente, em que quem participava trabalhava por pura paixão criativa.
“Salário igual para homens e mulheres é essencial. E é importante que algumas atrizes tenham falado publicamente que seus colegas recebiam um salário melhor pelo mesmo compromisso. É uma reivindicação comum em todos os campos, não só no cinema”, avaliou.
Reportagem de Begoña Donat publicada em 21 de julho de 2021 em Pikara on-line magazine. Disponível em: https://www.pikaramagazine.com/2021/07/genero-fluido-experimentacion-y-pasion-creativa-segun-tilda-swinton/.
Tradução: Luiz Morando.
