Jean Genet: um beco sem saída

O dia 14 de abril de 2021 marcou o 35º aniversário da morte de Jean Genet. Uma oportunidade de voltarmos a esta figura emblemática da literatura bicha e revoltada.

Principalmente conhecido por seu teatro (porque seu professor de francês teve o bom gosto de fazer você ler As criadas no colégio) e pelo mítico Querelle de Brest levado ao cinema por Fassbinder, Jean Genet também escreveu poesia e várias narrativas. Há algo de incrível em descobrir suas primeiras narrativas (Nossa Senhora das Flores, O milagre da rosa, Pompas fúnebres, Diário de um ladrão) e ver surgir, em meados da década de 1940, uma palavra muito livre e estimulante. Incrível, porque quase difícil de acreditar. Se ao mesmo tempo os romances de Gide, de Proust ou os escritos de Jouhandeau são atravessados ​​por essa difícil reconciliação entre a vergonha, o medo e um desejo que se recusa a desaparecer, os primeiros textos de Genet parecem uma verdadeira explosão. Ressoam como declarações de amor a tudo o que se considera abjeto, indigno, repulsivo, numa recusa radical em sucumbir à vergonha que foi imposta ao autor “pederasta”, órfão, pobre, encarcerado por furto.

Em vez de ocultar o inaceitável, Genet o põe em evidência, exacerba-o e chega a sacralizá-lo: ele desejará ser publicamente orgulhoso e apaixonado pelo que é descrito como vergonhoso. Não se trata, porém, de fingir que essa abjeção social não existe e de criar pela escrita um mundo livre da realidade. Ao contrário, a vergonha deve ser dita para poder ser sublimada, liberada, para poder ser transformada em uma nova excitação que alimenta o desejo que ela devia secar. Assim, encontramos em seus escritos um vaivém perpétuo entre a realidade naquilo que ela pode ter de mais sórdido, mais violento, e a “canção de amor” que Genet e seus personagens extraem dessa realidade.

Um passado teatral sulfuroso

Primeiro confinado à clandestinidade por escritos considerados pornográficos, depois vilipendiado por certos autores e críticos quando foi legalmente publicado (François Mauriac achou “excrementício” e teria aconselhado Cocteau a simplesmente queimar o manuscrito em sua posse), Genet continuará a gerar controvérsia através de seus escritos e posições políticas. Envolvendo-se com os Panteras Negras e os/as palestinos/as, e repetidamente marcando sua oposição ao colonialismo, ele desencadeou a fúria da extrema-direita em 1966 quando sua peça Les Paravents [Os biombos, em tradução livre], escrita em 1961 sobre a guerra da Argélia, foi encenada no Théâtre de L’Odéon em Paris. As tensões que, na época, percorriam o país, se cristalizaram ao seu redor. Na interseção de raça e gênero, a extrema-direita francesa interpretou o colapso do império colonial francês como uma humilhação sexual, uma desvirilização do país e de seus homens que se curvaram ao inimigo. Genet, “um notório pederasta, ladrão, desertor, ex-prostituto de todos os bas-fonds da Europa”, é então o espantalho perfeito para esses pequenos grupos ansiosos por defender o exército francês e o império colonial. Algo para nos alegrar com a ideia de (re)ver seus textos levados ao palco.

Texto de Valentin Fesquet publicado em Hétéroclite em 14 de abril de 2021. Disponível em: http://www.heteroclite.org/2021/04/jean-genet-un-fil-a-retordre-61289.

Tradução: Luiz Morando.

Lembrança dos 35 anos da morte de Jean Genet.

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